quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A Liturgia da Santa Comunhão - Parte I


Na cristandade, existe uma infinidade de costumes no que diz respeito a Santa Comunhão. Uma clara evidência são seus diversos nomes. Os romanos a chamam de Santa Missa, os orientais a chamam de Divina Liturgia, os protestantes em geral a chamam de Culto Sagrado. Essas diferenças na nomeclatura obviamente representam diferenças substanciais no modo de fazer, no ordenamento da Comunhão, ou seja, na liturgia. Liturgia nada mais é do que a ordem de organização da Comunhão. Um costume mais que milenar que representa o zelo da Santa Igreja no executar da celebração da Comunhão dos Santos e da adoração pública do Nosso Deus.


O fato é que a liturgia perdeu força a partir do século XX. Com a chegada do liberalismo teológico, dos costumes carismáticos e da crescente desejo de modernização do culto, o clero das igrejas tradicionais deliberadamente permitiu o afrouxamento sistemático da liturgia enquanto que as novas igrejas foram fundadas ignorando sua devida importância. Um erro proporcional a falta de decoro que os cristãos já se acostumaram a ver nos costumeiros vídeos de pastores na internet que no mundo de 50 ou 60 anos atrás facilmente seriam internados num manicômio.



Por que a liturgia é necessária?


 Os primeiros inimigos da liturgia diriam que ela é a representação da idolatria ou que ela pertence ao mundo dos rituais pagãos. Outros inimigos diriam que a liturgia não está de acordo com a pureza do culto a Deus, especialmente no culto que os Santos Apostólos faziam, um culto simples, isto é, a liturgia foi uma adição supersticiosa.

A verdade é que ninguém sabe exatamente como era o culto dos nossos apóstolos, afinal eles nunca o registraram com detalhes. Eles, em suas epístolas, escreveram aquilo que era mais importante: a pregação do Evangelho.

No entanto uma coisa foi deixada por eles: o zelo da repetição no celebrar da Eucaristia. Quando Nosso Senhor disse "fazei isto em memória de mim" ele estava dizendo "repita isso para sempre em memória de mim". A partir do momento que se começa a repetir uma coisa sistematicamente, ou seja, ritualmente, a liturgia já está feita. Liturgia, é, antes de tudo, repetição. Repetição ordenada. Dito isto: a celebração da comunhão é liturgica em si mesma.

Há ainda outros sinais bíblicos. O mais conhecido deles é a Oração Dominical. Jesus disse "orai assim", ou seja, "fale assim quando for orar". A oração do Pai Nosso é uma oração escrita que pode ser repetida pelos santos como uma forma santa e zelosa de orar. Isto é liturgia. As palavras do Batismo e as palavras da instituição da Santa Ceia que são ditas pelo ministro antes do partir do pão, são dignas repetições. Isto é liturgia.



Há ainda uma rica liturgia bíblica muito mais desenvolvida: a liturgia dos anjos, que pode ser encontrada em muitas partes das Santas Escrituras, mas com muita perfeição no Apocalipse. Lá temos uma série de visões celestiais onde os anjos e toda a corte divina adoram Nosso Deus com cânticos, proclamações e um ordenamento santo. É a liturgia dos céus. É a organização celestial da digna presença divina.

A liturgia através dos tempos

Embora seja fato que a Igreja sempre foi liturgica, não há liturgias escritas antes da igreja nicena. A igreja primitiva era ilegal, portanto a Comunhão era celebrada em cavernas, casas e em muitos lugares sombrios distantes da visão pública. Os cristãos comungavam em segredo e com medo. Traços de liturgia são encontrados, porém, registrados ainda por volta do segundo século, como podem ser lidos na Primeira Apologia de São Justino. Ali se vê que igreja pré-nicena tinha um ordenamento de culto desde muito cedo.

As primeiras liturgias registradas só vão ser encontradas a partir da igreja legalizada perto do período niceno. A mais antiga liturgia completa registrada é a Liturgia Clementina, que data do início do quarto século. É tão antiga que é possível ver ainda traços de uma igreja que não passou por nenhum concílio ecumênico. Ela possui a parte dos catecûmenos separada da parte dos fiéis (ou seja, havia um culto aberto àqueles que não tinham professado publicamente a fé e outro que era restrito aos já fiéis), separação que logo começou a cair em desuso depois do Concílio de Nicéia quando todos os cidadãos do Império Romano já eram cristãos e portanto consideravelmente fiéis. Nela também faltam vários traços teológicos que só poderiam existir depois dos grandes concílios.

No período niceno centenas de liturgias começam a aparecer e elas vão refletir tradições locais. Como o período niceno é um período de organização eclesiástica, tendo em vista que está nascendo uma religião cristã legalizada, fica evidente que essas liturgias nada mais são do que formalizações daquilo que já era feito de forma oral antes.

Os primeiros aspectos da liturgia

As orações e a repetição da celebração eucarística vem do tempo do Colégio Apostólico, entretanto alguns aspectos começam a entrar em uso a partir do período dos concílios ecumênicos e no desenvolvimento da teologia através dos séculos. Outros aspectos vão surgir por puro zelo dos santos ou por honrarias. Por exemplo, as primeiras vestimentas para os oficiais da igreja começam a surgir já no período do imperador Constatino. A história registra que ele mesmo presenteou um clérigo com uma roupa sacerdotal.

Um exemplo do zelo da igreja é o uso do vinho que começa a modificar. Na igreja primitiva provavelmente o Pão e o Vinho eram servidos como foi na Última Ceia, mas já no período niceno mudanças começam a ocorrer. O vinho já começou a ser distribuido em pequenas quantidades, não mais em taças. Algumas igrejas começaram a distribuir em colheres e outras chegaram a misturar o vinho com água, tanto para representar a água que saiu do corpo do Nosso Senhor, como também para evitar bebedeiras. Um Santo Pai da Igreja chegou a lamentar, naquele tempo, a respeito de uma menina que ao comungar, ficou bêbada com o vinho da comunhão.

Nas falas sobressaíram as orações que eram escritas para que o povo pudesse orar devidamente e para que o ministro pudesse se dirigir a Deus dignamente, assim como Jesus ensina que o Pai Nosso é uma oração digna. Com o tempo, vão surgindo os lecionários que vão agrupar leituras da Bíblia para serem lidas sistematicamente naquilo que começou a se chamar de Missa. Missa que vem da frase "Ite, missa est", a frase em latim que era dita pelo ministro ao terminar a cerimônia que quer dizer "Podem ir, estão liberados".

O drama também foi introduzido na liturgia. Mais do que apenas falar e orar, o gesticular do ministro servia como exemplo do drama da Paixão de Cristo. Assim surge o jeito do ministro mecher as mãos, a maneira como os oficiais da igreja entram no templo, etc. Tudo representando um teatro santo da vida de Cristo. Um recurso notável num tempo em que o povo tinha escasso acesso a Bíblia (afinal, não havia imprensa e a atividade copista era difícil e cara). A liturgia então surgia como uma fórmula certa de apresentação do Evangelho de Cristo para toda aquela massa de gente que adentrou na Igreja no período em que o cristianismo virou religião oficial do Império Romano.

A liturgia nunca mais saiu de cena. Se tornou a maneira mais correta de se cultuar publicamente a Deus. Um esforço universal na tentantiva de manter o povo digno diante da Palavra de Deus. A liturgia parecia até que se encrostava nas paredes dos recentes templos que agora os cristãos tinham para si. Nos templos, para honrar a Deus, os cristãos vão usar o que tem de melhor para adornar esse ambiente onde o povo comunga e onde a liturgia da missa é realizada. Surge a arquitetura templária, o incenso é usado para dar a Deus os odores mais luxuosos e depois de alguns séculos, os ícones vão embelezar os templos e auxiliar na demonstração do Evangelho para o povo não letrado.

A liturgia da Reforma

A Idade Média chegou e muita coisa começou a ser alterada. O Vinho já não era mais distribuido em todas as igrejas, pois entrou em uso a hóstia. Uma roupa sacerdotal ordinária, a batina, se tornou roupa diária obrigatória para todo o clero, especialmente na igreja ocidental. Era uma forma de separar o clero do povo. Cores e mais cores foram surgindo para cada época do ano e para cada nível de oficial da Igreja. O clero agora é luxuoso como as grandes famílias reais. Na igreja ocidental, o latim virou lingua liturgica, embora na igreja oriental o idioma vernacular continuava a ser usado.

São João Crisóstomo
As pregações já não eram como antigamente. O sermão, ou homilia, só era feito com desenvoltura por poucos padres, já que no geral, era apenas um sermão rápido e repetitivo. Na antiguidade, nos tempos dos Pais da Igreja, o sermão não era tão ralo, muito pelo contrário, eram sermões de impressionar. São João Crisóstomo, Santo Atanásio e Santo Agostinho eram conhecidos por atrair multidões para ouvirem suas pregações. Na época, alguns cristãos chegavam até mesmo a lamentar o fato de que muitas pessoas queriam ir a igreja só pra ouvir o sermão do padre, que eram monumentos à oratória. O mesmo se dizia das cartas, a literatura epistolar cristã.

Mas isso já não existia com tanta força na idade média, o clero era extenso, mas raso. A igreja estava enfraquecida. Os poucos grandes pregadores acabavam pregando contra a própria cristandade e entre eles estava Lutero.

Lutero trouxe a Reforma e a Reforma trouxe mudanças na liturgia. Ela ficou um pouco mais simplificada, já que os reformadores diziam que a igreja já estava cheia de superstição. O latim foi abandonado, voltando ao vernacular dos tempos nicenos. A homilia voltou a ser valorizada. Simplificou-se cores liturgicas, roupas, orações, elementos da missa, fazendo surgir assim novas liturgias no ocidente, já que na igreja romana, já não tinham mais muitas liturgias como ainda tinham na igreja oriental. A igreja romana, por um motivo ou outro, tinha costume de substituir o rito local pelo rito da capital romana. Era uma idéia forte de uniformização vinda do Vaticano. Na idade média alguns ritos locais no ocidente foram pra sempre substituídos e depois do rito oficial tridentino, que também foi uma forma de simplificação e reorganização da missa pós reforma protestante, a diminuição no número de liturgias da agora igreja romana (que não significava mais igreja ocidental) foi ainda mais acentuada.

Continua na Parte II

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