domingo, 11 de setembro de 2011

A Liturgia da Santa Comunhão - Parte II

As últimas liturgias

Com o Concílio de Trento, a igreja romana uniformizou de vez sua liturgia: a missa tridentina se tornou sua missa mais excelente e padrão para todas as suas paróquias. Um pouco antes disso, Lutero começa a escrever suas liturgias. Elas são muito parecidas com a liturgia da missa, porém retirados os elementos que a teologia de Lutero não reconhece e adicionando, ou melhor, refinando um certo elemento: a música.

A música, ou os cantos, sempre estiveram presentes na liturgia da Igreja, o que remonta a própria igreja primitiva, mas Lutero vai além. Com seu amor a música, Lutero começa a desenvolver seu hinário e a incentivar a composição de músicas para a missa. Entre os compositores cristãos iluminados pelo ideal de música sagrada de Lutero, figuram nomes eternos da música, como Bach. Compositor de fugas irretocáveis, Bach se tornou extremamente conhecido por sua atuação como cantor na igreja de São Tomás.



Tal encanto pela música ficou restrito ao ramo luterano da igreja, tendo em vista que a missa tridentina manteve o rito romano dentro da tradição do canto discreto. O mesmo se deu na liturgia do outro ramo protestante: o calvinista.

Calvino considerava danoso o uso liberal da música na missa, que, diferente de Lutero, um apreciador do latim, preferia chamar de culto. Calvino, na liturgia que criou para a igreja de Genebra, manteve um canto monofônico, uníssono e à capela. Para ele, a tradição da música no estilo mais próximo ao gregoriano era o mais apropriado para Deus. Ele foi além, todavia, baniu as letras que não eram bíblicas e permitiu que o povo cantasse (embora não tenha permitido que o povo respondesse litanias, tal como era o padrão em toda as liturgias até os tempos medievais). Assim, enquanto Lutero escrevia um hinário, Calvino colocava os Salmos em partituras para serem cantadas nos cultos.

As diferenças substanciais nas liturgias

Missa Tridentina
Com a Reforma e a Contra-Reforma terminadas, temos as diveras liturgias orientais e as três grandes liturgias ocidentais: a tridentina (romana), a luterana e a calvinista.

As liturgiais orientais não mudaram muito assim como a igreja oriental também não mudou. Algumas liturgias até são praticamente idênticas as liturgiais do período niceno e são executadas até os dias de hoje com pouquíssimas alterações. A igreja oriental é um monumento à antiguidade.

A missa tridentina é a liturgia mais complexa, simbolicamente falando, das liturgias ocidentais, embora tenha já resumido muito as liturgias romanas anteriores a ela. Entretanto, assim como todas as outras liturgias da igreja do ocidente, não chega nem perto da imensidão ritualística de gestos, balanços, dramas, cheiros e vozes das liturgias das igrejas do oriente. A igreja ocidental é um monumento a seriedade teológica.

Esta seriedade é ainda mais marcante no protestantismo. Na liturgia luterana, a missa é ainda mais simplificada do que a tridentina, por motivos óbvios de simplificação do cristianismo protestante, porém mais suntuosa na música.

Missa Luterana
Mas nada se compara com a seriedade da liturgia de calvino. A liturgia calvinista é extremamente áustera. Nada de música com vozes polifônicas ou fugas bachianas. Nada de ladainhas. As litanias de oração são longas, a homília é longa, e a música é Sola Psalterium, ou seja, somente letras dos Salmos ou das Escrituras.

Os primeiros sinais anti liturgia


No século XVII, os protestantes estão preocupados em se conciliarem para fechar todos os pontos de sua liturgia e eclesiologia. No tempo dos reformadores, a igreja protestante era uma igreja romana com diferenças significativas. Na geração dos seus discípulos, os protestantes vão tentar fazer sua própria estrutura eclesiástica e a liturgia vai entrar em pauta.


A igreja inglesa, que se tornou protestante as pressas por decreto real, agora precisa ser realmente organizada como igreja, e não mais como um pretexto dos mimos dos reis. Os ingleses protestantes que estavam agora no poder na política, conseguiram estruturar uma igreja séria e primorosa. Nasce a igreja anglicana feita das mãos dos puritanos, a segunda geração de calvinistas, sob a teologia de Calvino e com uma liturgia muito parecida com a romana, mais ainda do que a de Lutero. É a missa anglicana. Os puritanos mais sérios detestaram.


Os puritanos são para os protestantes, o que os franciscanos eram para os romanos no século XIII. Eles não querem apenas uma igreja, eles querem uma igreja limpa como o Sangue do Cordeiro. Sua obsessão por pureza os levam a serem tratado sarcasticamente como puritanos. Essa nova geração de calvinistas difere da primeira geração por se preocuparem mais com piedade do que com a teologia.


O racha na igreja anglicana é claro. Todos os puritanos se juntam e cismam com a igreja anglicana, eles vão formar igrejas separadas da nacional com uma forma de governo diferente (governo presbiteriano como o escolhido pela igreja escocesa ou outras formas de governo mais simplificadas que no geral serão chamadas de igrejas reformadas) e com uma liturgia puritana. É a tradição presbiteriana, que antes era local na Escócia, mas agora desponta em todas as ilhas inglesas. O presbiterianismo está sendo definido nas mãos dos puritanos e sua liturgia é extremamente minimalista, ou melhor, é um culto conhecido como sem liturgia.

A única liturgia visível no culto puritano é a liturgia da Palavra e a liturgia da Eucaristia. A música é a mesma de Calvino, salmos à capela, mas eles vão mais longe: não há litanias nem orações escritas. As orações são expontâneas, a homília é imensa. A roupa sacerdotal é apenas uma batina preta e não há cores em lugar nenhum. Alias, os puritanos se vestem quase todos de preto, inclusive suas mulheres que não aderem aos vestidos chamativos daquele século ainda renascentista. A arquitetura templária é praticamente ignorada, suas igrejas mais parecem casinhas de madeira com um sino pendurado.


Os puritanos seguem ao pé da letra o Princípio Regulador de Culto. Existem dois princípios criados para guiar a liturgia no protestantismo: o regulador e o normativo. O normativo diz que tudo que a Bíblia não proibe é permitido. É a visão de Lutero, é a visão da recente estruturada igreja anglicana e é a visão que será adotada séculos depois pelos evangélicos e pentencostais. É a brecha que vai permitir o gospel dentro das igrejas com dança e palmas no sul dos EUA e tudo mais que vem disso.


O princípio regulador é o princípio calvinista e que só foi adotado pelos calvinistas e por mais ninguém entre os protestantes. Ele diz que só é permitido aquilo que está na Bíblia. Os puritanos usam esse princípio para estabelecerem sua liturgia super resumida que está em uso até hoje em diversas igrejas presbiterianas e reformadas pelo mundo, mas muito restritamente.


Os reformados e presbiterianos com o tempo, especialmente a partir do século XVIII, vão discutir novamente a respeito da liturgia e vão desfazer a rigidez do puritanismo e voltar a usar aspectos que antes foram encontrados na própria liturgia de Calvino e alguns pontos da liturgia de Lutero ou dos anglicanos. Surge assim uma liturgia que não é tão parecida com a missa, mas que não é tão limitada quanto o culto puritano. É a liturgia reformada.


A liturgia reformada vai ser a liturgia preferencial entre os calvinistas e a puritana vai ser para eles assim como a tridentina é para os romanos depois do Concílio Vaticano II, vai ficar restrita a pequenas comunidades.


A liturgia enfraquece com as igrejas do século XX



O século XX chegou e com ele as igrejas pentecostais. O "fogo" pentencostal lambe todos com sua nova forma de cultuar a Deus: eles falam alto, eles se mechem, eles não ficam em silêncio, eles falam em línguas estranhas. Liturgia não está em seu vocabulário.


Se Calvino não gostava de órgão, é porque ele não viveu na modernidade. A partir do século das igrejas pentecostais e depois das igrejas carismáticas, entram na lista de instrumentos de culto: piano, violão, teclado, guitarra, bateria, e por ai vai


Como se isso não bastesse, a idéia carismática entra nos portões das igrejas tradicionais. A igreja romana, com seu Concílio Vaticano II, coloca a liturgia tridentina no chão e permite a criação de novas liturgias adaptadas ao novo século. Agora eles cantam no vernacular e aceitam outros instrumentos musicais. Logo terão paróquias católicas carismáticas. Agem como pentecostais cantando gospel.


Isso não demora a chegar nas igrejas protestantes. Os anglicanos, luteranos e presbiterianos já estão afrouxando suas liturgias para se adaptar aos novos tempos. Outras igrejas não tão novas como os batistas e metodistas também. As fileiras dos inconformados com essa fraqueza liturgica não param de crescer enquanto que suas paróquias não param de diminuir. O mundo mudou, os mais jovens acham liturgia muito chato, as meninas não querem suas saias debaixo do joelho, véu é coisa de velhinha.

A igreja agora é majoritariamente carismática e a liturgia é assunto de segundo plano.


Continua na Parte III

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