quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Martinismo - Forma de Cavalaria Cristã ?

Não há conhecedor do esoterismo / ordens iniciáticas da atualidade que não tenha ouvido falar do Martinismo e sua suposta postura judaico-cristã.
Para quem não conhece , o martinismo se baseia na gnose de Martinez de Pasqualis e de Louis Claude de Saint Martin (que teve grande influencia até mesmo em meios católicos graças aos escritos de Joseph de Maistre). O martinismo moderno porém deve sua forma a seu fundador Gerard Encause (Papus) que o definia da seguinte forma:
“O Martinismo é uma livre Cavalaria Cristã, dedicada ao estudo do esoterismo cristão, à pratica da caridade em todas as modalidades e constituí assim a porta de ingresso a quase todas as Fraternidades mais elevadas”.
E é justamente como "Cavaleiros de Cristo" que se sentem os martinistas - chegando um dos ramos atuais a utilizar o nome de Ordem Martinista dos Cavaleiros de Cristo. Mas isso pode ser verdade ?


Bom ... é sobre essa possibilidade que trato a partir de agora. O post é basicamente a argumentação que utilizei para refutar essa tese , levantada por um amigo (que trouxe uma das ramificações do martinismo para o Brasil) e que insistia no fato do martinismo ser uma "Autentica Ordem de Cavalaria Cristã".

Obviamente não citarei o nome desse amigo (que tenho em grande apreço ) e nem reproduzirei o dialogo - não estou autorizado a isso. Todavia sinto-me a vontade para postar minha argumentação de que o Martinismo JAMAIS poderia ser tido como uma ordem de cavalaria - muito menos - cristã.
Prossigamos.

Conceitos de Cavalaria

Quando um esotérico qualquer , seja ele de uma vertente Martinista ou não (podemos observar essa mesma fantasia em outros grupos desse tipo) , clama para si origem em ordens de cavalaria (algumas chegam a clamar origem templaria) ou ainda ser - no presente - uma autentica ordem de cavalaria. Fica claro que essa pessoa não carrega em si a mínima noção que seja sobre história , teologia ou filosofia cristã. Para evitar os erros, antes de tudo, é necessário contemplar - ainda que não profundamente - os conceitos que envolvem a Cavalaria Cristã.

A Cavalaria “era a forma cristã da condição militar” e “o cavaleiro era o soldado cristão” na sua plenitude, segundo explica Léon Gautier. (Cfr. Léon Gautier, La Chevalerie, Arthaud, Paris 1959, p. 27).


A Cavalaria teve origem na cristianização dos costumes bárbaros. Em todos os povos, mesmo pagãos, se encontra, entre os soldados, a noção de prática de guerra e das virtudes guerreiras de modo elevado. Entre os japoneses, esse ideal formou o código de honra dos samurais. Essa tendência natural do homem de praticar as virtudes bélicas de modo ideal e perfeito foi cristianizado pela Igreja na Cavalaria. Os bárbaros amavam a guerra a tal ponto que ingenuamente imaginavam que no seu céu haveria contínuas batalhas. A Igreja procurou ordenar o ardor bélico dos bárbaros e regular o seu amor e espírito de luta, dando-lhes um motivo – a luta por Deus -- e seu fim: a conquista da Terra Santa.Na Europa, a Cavalaria nasceu dos costumes germânicos cristianizados pela Igreja. Ela não surgiu por um decreto, nem foi fundada por um homem determinado. Desabrochou naturalmente dos costumes germânicos, sobrenaturalmente purificados pelo cristianismo.
Logo de imediato, podemos perceber que a Cavalaria Cristã é - antes de tudo -  a Cavalaria (grupo de armas terrestre de combate a cavalo) sendo chamada a colocar-se a serviço de Deus.
Olhemos mais de perto essa belicosidade da Cavalaria Cristã.

"Não podendo acabar com a guerra, a Igreja cristianizou o soldado", diz Léon Gautier (op. cit. p. 31). 
" O soldado cristão não é homicida, na guerra, e sim um malicida", diz Santo Agostinho, pensamento que será repetido por São Bernardo ao escrever o seu Elogio da Nova Cavalaria, justificando a existência do monge guerreiro Templário. Nesse trabalho, “São Bernardo denuncia e lamenta a cavalaria do mundo,e, brincando com as palavras (militia, malitia) denuncia essa “malícia do mundo” (non dico militiae sed malitiae) a Milícia Cristã contra a Malícia do mundo ( Alain Demurger, Les Templiers, Éditions du Seuil, Paris, 2005, p. 61). 
Diante disso podemos arguir: "Pode alguma vertente do Martinismo considerar-se grupo cristão de cavalaria ? " 
A resposta óbvia é : NÃO.
Como bem sabemos, o martinismo não é uma ordem militar e nem sequer mantém vinculo algum com a Igreja.
Somente para estender um pouco vamos vislumbrar os mandamentos da cavalaria cristã, para vermos se o martinismo - ou qualquer grupo esotérico ou maçónico pode requerer tal titulo.

1 º Mandamento: Crerás em tudo quanto ensina a Igreja.
2º Mandamento: Defenderás a Igreja
3º Mandamento: Respeitarás os fracos

4º Mandamento: Amarás o país em que nasceste
5º Mandamento: Não recuarás diante do inimigo
6º Mandamento: Farás ao infiel guerra sem trégua e sem mercê

7º Mandamento: Cumprirás exatamente teus deveres feudais se não forem contrários à lei de Deus

8 º Mandamento: Não mentirás e serás fiel a palavra dada

9º Mandamento: Serás generoso e farás liberalidade a todos

10º Mandamento: Combater o mal e defender o bem
Não é preciso dizer que NENHUM desses mandamentos passou pela mente relativista de martinista algum.

Alias, grupos de cavalaria cristã jamais poderiam ser relativistas... aceitando infinidades de pensamentos diferentes , simplesmente porque foram criados para combater os inimigos da igreja.

Cito aqui Orlando Fedeli (Doutor em História) comentando o sexto mandamento da cavalaria cristã:


Para compreender este mandamento, é preciso lembrar que Deus estabeleceu uma guerra total entre os bons e os maus, na História. Foi na tarde triste em que Adão e Eva foram expulsos do Paraíso Terrestre, que, ao amaldiçoar a serpente, Deus disse:

"Porei inimizades entre ti e a mulher, entre tua raça e a dela. Tu lhe armarás ciladas ao calcanhar e Ela mesma te esmagará a cabeça", (Gen. III, 15).
Há, pois, na História um ódio inquebrantável entre os filhos do demônio e os filhos de Nossa Senhora, e nessa guerra não pode haver trégua nem mercê. Nessa guerra toda conciliação equivale à traição. A história, pois, é uma Grande Cruzada. É natural, então, que os cavaleiros cruzados tivessem o mandamento de combater todos os inimigos da Fé.

Quando, na primeira cruzada, os cruzados cercaram Antioquia, ocupada pelos turcos, os árabes do Egito vieram oferecer aliança ou a guerra, aos cristãos. No conselho dos chefes, chegou a ser debatida a oferta de aliança dos árabes. Foi então que um cavaleiro, levantando-se, perguntou como era possível esta aliança. Então ver-se-ia o estandarte de Cristo misturado com os estandartes infiéis? E os guerreiros de Deus lutariam, lado a lado, com os soldados de Lúcifer? E concluía dizendo aos embaixadores árabes que os cristãos diante de Antioquia fariam guerra aos turcos, e aos árabes também, pois os cristãos "só se podiam aliar com as potências que respeitam as leis e a justiça das bandeiras de Jesus Cristo”  (J.F.Michaud, História das Cruzadas, ed.. cit.,Vol. I, p. 275).
Quando, na terceira cruzada, o sultão de Icônio ofereceu passagem aos cruzados alemães de Frederico Barbarruiva, em troca de três mil peças de ouro, este lhe mandou dizer: 

"Não tenho o costume de comprar meu caminho com ouro, mas de abri-lo com o ferro, e com o auxílio de N. S. Jesus Cristo, de quem somos soldados", (J.F.Michaud, História das Cruzadas, ed.. cit., vol. lII, p. 36).
Logo , podemos crer,  ante os livros de história, que afirmar que  qualquer um dos grupos martinistas mereça ser chamado de Ordem de Cavalaria Cristã é, no mínimo, cair mergulhar em uma fantasia burlesca.

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